“Pente fino” do inss e a inversão dos valores

  • 29.06.2021
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  • Por: administrador

“Pente fino” do inss e a inversão dos valores

Mesmo em cenário pandêmico, de triste contexto nacional e mundial, de forma voraz, preferiu o gestor previdenciário arquitetar outro momento da operação conhecida como “pente fino”, alicerçada nas leis 8.212/91 e 13.846/19.

Dentro da perspectiva da permissibilidade normativa nada há para se comentar, sobretudo pela legalidade estrita e constitucional que deve inspirar todo ato natural da administração púbica. Do mesmo modo, quanto ao esperado efeito pedagógico que visa a neutralizar atos fraudulentos na concessão de prestações, bem como na manutenção, motivo esse digno de aplausos.

Inobstante os fatores legais que apoiam essa nova fase de apuração administrativa, é bem verdade que, sob outras ópticas, a operação “pente fino” merece debate.

É oportuno o registro do momento pandêmico a que tudo e todos estão submetidos, sem escolhas, vítimas de uma viralização gobal. Assim, o contexto mundial demanda cuidados, prevenção, meios e modos de acautelamento de todos, promover a saúde, educar a sociedade, minimizar o contato e os efeitos, enfim, traços esquecidos pelo gestor previdenciário em mais uma etapa da operação “pente-fino” previdenciária.

Anunciou-se que essa nova fase visa atingir cerca de 1,7 milhão de brasileiros beneficiados, os quais deverão exibir documentos comprobatórios que legitimem a manutenção do beneficio, sob pena de sua suspensão e cessação.

Registre-se também que as filas de casos represados, a ausência de concursos públicos, a aposentadoria e o afastamento de vários servidores sem a reposição imediata ou sequencial, além do contexto pandêmico e as visíveis crises econômica e política que assolam o país – sem esquecer da reforma previdenciária, de 13 de novembro de 2019, através da Emenda Constitucional 103 -, acabam por inserir o trabalhador brasileiro em um caos institucional completo, de pouca funcionalidade do sistema previdenciário, mas que ainda assim arquiteta nova fase fiscalizadora.

Em recente estudo do CNJ, em seu relatório periódico que analisa as atividades do Judiciário nacional, apurou-se que a judicialização das questões previdenciárias aumentou e muito nos últimos anos, corroborando o notório atraso funcional da autarquia e seus deletérios efeitos a seus filiados.

Apurou-se, neste sentindo, que “ a Justiça Federal registrou aumento de 52% no número de novas ações que envolvem direito previdenciário, como o reconhecimento de aposentadorias e benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em um período de três anos [e que] a judicialização contra o INSS deve aumentar com a reforma da Previdência, promulgada em novembro de 2019”.

Está mais do que evidente que o cenário não é dos melhores e nem era antes do início da pandemia global. Logo, o momento demanda uma maior sensibilidade de toda a sociedade, já que o tempo atual é de destacada excepcionalidade, desejando sacrifício coletivo em busca por dias melhores.

Nesta toada, vê-se de igual forma o aspecto funcional da previdência, expressão constitucional também da dignidade humana, por diversos fatores, notadamente pelo seu papel subsistencial; em outras palavras, de nítido caráter alimentar.

Mostra-se desproporcional, desarrazoada e inoportuna uma nova etapa da operação “pente fino” em tempos de crise, além das demais situações aqui anteriormente descritas, não podendo inserir o sofrido trabalhador brasileiro em um planejamento que inverte valores e o coloca em posição de investigação, na contramão do que se espera de qualquer sistema previdenciário, de modelo constitucional e apoiado nas premissas do bem-estar, algo que o liberalismo econômico ainda não apagou ou conseguiu apagar do vigente modelo jurídico. Nesta direção, Jorge Luiz Souto Maior acentua:

“É inegável que a Constituição brasileira preservou as bases do modelo capitalista, no entanto, não o fez a partir de uma ordem jurídica liberal. O sistema jurídico constitucional fixou como parâmetro a efetivação de valores que considera essenciais para a formação de um desenvolvimento sustentável, vale dizer, um capitalismo socialmente responsável a partir dos postulados do Direito Social.”

Com espanto, viu-se um notório discurso paradoxal, entre bônus e ônus, associado a um evidente e indesejado desleixo dos órgãos institucionais, responsáveis máximos em gerir o sistema de forma a promover, inserir e proteger, sobretudo os mais necessitados e em tempos de crise, alocados em uma inversão de valores, sujeitos ao ímpeto fiscalizatório enraizado unicamente em premissas econômicas, distantes, há muito, da inspiração social a que se elegeu no horizonte de 1988, capaz de frear a operação, ou quando muito sobrestá-la, no aguardo de que o gestor cumpra seu papel, sem maiores dilemas.

“É oportuno o registro do momento pandêmico a que tudo e todos estão submetidos, sem escolhas, vítimas de uma viralização global”

“Em pesquisa do CNJ apurou-se que a judicialização das questões previdenciárias aumentou nos últimos anos, corroborando o atraso funcional da autarquia e seus deletérios efeitos a seus filiados”

Autor: Sérgio Henrique Salvador – Advogado

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