ESTADO E A OMISSÃO DA COVID-19

  • 25.06.2021
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  • Por: administrador

ESTADO E A OMISSÃO DA COVID-19

Covid-19: O Estado pode ser responsabilizado por omissão?

Foi noticiado na imprensa que um grupo de parentes de vítimas do coronavírus entrou com uma queixa contra as autoridades de Bérgamo por negligência e erros na gestão da pandemia que matou mais de 32.000 pessoas na Itália.

Os autores da ação sustentam a omissão do Estado no tratamento dos pacientes internados por covid-19, razão pela qual deve ser responsabilizado.

Nesse sentido, surge a reflexão quanto à possibilidade de responsabilidade do Estado, no Brasil, por eventuais omissões praticadas durante a pandemia, isso porque o direito administrativo brasileiro adotou, como regra, a responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6°, da Constituição Federal, salvo nos casos de omissão.

Nos casos de responsabilização do Estado por omissão vige a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, na qual, além da conduta, do dano e do nexo causal entre ambos, é necessário também se comprovar a existência da culpa, na modalidade de negligência, imprudência ou imperícia.

Na Itália, os autores da ação coletiva sustentam que o Estado foi negligente no atendimento dos seus familiares, tanto pela forma como foram tratados nas instalações hospitalares, quanto pela forma como ocorreram os sepultamentos, como pela ausência de informações prestadas às famílias.

No Brasil, ainda não há ações nesse sentido, quer individuais, quer coletivas. No entanto, ante o modelo de responsabilização civil do Estado adotado, é possível que eventualmente possam vir a ser propostas ações que caracterizam a responsabilidade civil do Estado por omissão em razão da pandemia de covid-19.

Uma primeira hipótese seria a ausência ou deficiência no atendimento médico das vítimas de covid-19. Em se tratando de responsabilidade subjetiva, não se mostra suficiente apenas afirmar que houve deficiência no atendimento, já que a obrigação do Estado é dispensar um tratamento digno e eficiente a todos. No entanto, não há como se garantir o resultado consistente no restabelecimento ou preservação da vida, já que isso depende de fatores externos fora do alcance de seus prepostos. Mas deve sim o Estado garantir a disponibilização de leitos, medicamentos e todos os outros tratamentos recomendados em protocolos nacionais e internacionais.

Um outro ponto, muito questionado pelos italianos, que também é dever do administrador pátrio, diz respeito à informação, tanto em relação aos dados estatísticos da pandemia como aos pacientes hospitalizados, já que é direito dos familiares ter acesso às informações acerca do estado de saúde dos seus parentes.

Os exemplos aqui citados não trazem maiores celeumas ante a maior facilidade em se comprovar a eventual responsabilidade civil do Estado por omissão. Entretanto, há hipóteses que trarão maiores discussões no mundo jurídico, em especial pela dificuldade em se comprovar a culpa do Estado em qualquer uma de suas modalidades, a exemplo das mortes causadas em regiões onde não haja saneamento básico, de comunidades indígenas nas quais não foram criados planos específicos para o combate ao vírus ou ainda no caso da ausência de ações direcionadas a grupo vulneráveis, como os moradores de rua, ou mesmo pela falta de planejamento de ações de combate à pandemia.

Uma outra ocorrência que também causará muitas discussões diz respeito ao óbito de detentos em razão de covid-19 ainda que o Estado tenha garantido o atendimento médico adequado, mas em razão da sua condição de guardião, nos termos dos posicionamentos majoritários trazidos pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema.

Assim, podemos observar que ainda são muitas questões e não temos respostas para várias delas, razão pela qual é possível concluir que o assunto ainda gerará muitos debates e possivelmente ocasionará uma rediscussão acerca dos limites da responsabilidade civil do Estado, especialmente na sua modalidade subjetiva, dentro de uma perspectiva de um novo direito administrativo – o direito administrativo da crise.

“Na Itália, os autores da ação coletiva sustentam que o Estado foi negligente no atendimento dos seus familiares, pela forma como foram tratados nos hospitais e também nos sepultamentos”

Autora: Acácia Regina Soares de Sá – Juíza de Direito do TJDFT

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