Contratação de Advogados Pelo Poder Público

Contratação de Advogados Pelo Poder Público

Contratação de Serviços de Advocacia

Contratação – Pelo código de ética, profissionais da área de direito não podem participar de concorrências públicas, mas podem ser nomeados com base em sua notória especialização.

 

Duas breves considerações fazem-se necessárias sobre a contratação:

A primeira delas é que o art. 25 inc. II, e § 1°, da Lei 8.666/93 tem a seguinte redação:

Art. 25, É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

[…]

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III – para contratação de profissionais de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

  • 1° Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. (grifos nossos).

Fala, o legislador, em serviços técnicos com profissionais ou empresas de notória especialização. O § 1°, por outro lado, explicita que a notória especialização decorre de a atividade ser exercida por profissional cuja empresa tem conceito no campo de sua especialidade decorrente de:

  1. desempenho anterior;
  2. estudos;
  3. experiências;
  4. publicações;
  5. organização;
  6. aparelhamento;
  7. equipe;
  8. técnica;
  9. ou outros requisitos relacionados com suas atividades.

 

Não exige, a Lei de Licitações, que o profissional seja de “notável saber jurídico”, por exemplo, conforme impõe o artigo 101 da CF para escolha de ministros do STF, estando o caput assim redigido:

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de  notável saber jurídico e reputação ilibada. (grifos nossos)

A diferença entre a notória especialização em direito e o notável saber jurídico está no reconhecimento, perante a comunidade, de seu saber jurídico, no âmbito da expressão “notória especialização”, e de um saber excepcional, acima dos melhores especialistas, no âmbito do “notável saber jurídico”. Alguém pode ter notório conhecimento na comunidade jurídica, sem que seu conhecimento seja notável. Pode ser um excelente profissional, sem ser um jurisconsulto, na versão romana, de um criador do direito, de um formulador de teses jurídicas.

Um profissional notoriamente conhecido pode não ser notável e um profissional notável pode não ser conhecido na sua comunidade, se poucos tiverem acesso à sua obra.

Para o Supremo Tribunal Federal não pode o notório especialista em direito ser conduzido, se não ostentar notável saber jurídico, para a Lei de Licitações, se for notório e bom conhecedor, mesmo que não seja notável, no sentido de muito superior, ou seja, de ser jurista, pode ser escolhido sem licitação, desde que, naquela área específica, seja conhecido como excelente especialista.

Uma segunda observação faz-se necessária, diz respeito ao Código de Ética do Advogado.

Reza o artigo 34, inciso IV, que:

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

[…]

IV – angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de […].

Quando Conselheiro da OAB-SP, de 1979 a 1984, fui membro da Comissão de Ética e Disciplina, nos primeiros dois anos, e, depois, da Primeira Câmara Revisional, pelas infrações éticas, nos quatro últimos anos. Nunca admiti captação de clientela. Na época, redigi para meus alunos da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e para a OAB e outras instituições jurídicas o Decálogo do Advogado em que, no ponto 6, digo:

  1. O advogado não recebe salários, mas honorários, pois que os primeiros causídicos, que viveram exclusivamente da profissão, eram de tal forma considerados, que o pagamento de seus serviços representava honra admirável. Sê justo na determinação do valor de teus serviços, justiça que poderá levar-te a nada pedires, se legítima a causa e sem recursos o lesado. É, todavia, teu direito receberes a justa paga por teu trabalho.

Entendia, à época e continuo entendendo agora, que, pelo Código de Ética, o advogado não pode participar de licitações, pois trata-se de uma forma de angariar clientes proibida pelo mencionado diploma, podendo apenas ser contratado por notória especialização.

O interesse é que a suprema corte, em duas das manifestações sobre a contratação de advogados por notória especialização, entendeu que podem ser contratados sem licitação, independentemente de serem notórios os contratados.

No primeiro caso (Inquérito 3074, Santa Catarina) assim decidiu o STF em caso relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso:

Imputação de crime de inexigência indevida de licitação. Contratação Serviços advocatícios. Rejeição da denúncia por falta de justa causa.

A contratação direta de escritório de advocacia, sem licitação, deve observar os seguintes parâmetros: a) existência de procedimento administrativo formal; b) notória especialização profissional; c) natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado.

Incontroversa a especialidade do escritório de advocacia, deve ser considerado singular o serviço de retomada de concessão de saneamento básico do Município de Joinville, diante das circunstâncias do caso concreto. Atendimento dos demais pressupostos para a contratação direta.

Denúncia rejeitada por falta de justa causa.

A c ó r d ã o

Supremo Tribunal Federal

Ementa e acórdão

Inteiro Teor do Acórdão – Página 2 de 36

INQ 3074 / SC

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, em questão de ordem, em rejeitar a proposta formulada pelo Ministro Marco Aurélio no sentido do desmembramento dos autos do inquérito. Na sequência, por maioria de votos, acordam em rejeitar a denúncia, nos termos do voto do relator, vencido o Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 26 de agosto de 2014.

Ministro Luís Roberto Barroso – Relator.

Condicionou, o pretório excelso, a contratação por notória especialização a:

  1. existência de procedimento administrativo formal;
  2. notória especialização profissional;
  3. natureza singular de serviço;
  4. demonstração da inadequação e prestação de serviço pelos integrantes do Poder Público;
  5. cobrança de preço compatível com o serviço.

 

Por outro lado, o ministro Dias Toffoli, no Inquérito 3077, de Alagoas, relatou processo cuja ementa restou assim definida:

Ementa Penal e Processual Penal.

Inquérito. Parlamentar federal. Denúncia oferecida, Artigo 89, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93. Artigo 41 do CPP. Contratação. Não conformidade entre os fatos descritos na exordial acusatória e o tipo previsto no art. 89 da Lei n° 8.666/93, Ausência de justa causa. Rejeição da denúncia.

  1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato probatório mínimo que autorize a deflagração da ação penal contra os denunciados, levando em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal.
  2. As imputações feitas aos dois primeiros denunciados na denúncia, foram de, na condição de prefeita municipal e de procurador geral do município, haverem declarado e homologado indevidamente a inexigibilidade de procedimento licitatório para contratação de serviços de consultoria em favor da Prefeitura Municipal de Arapiraca/AL.
  3. O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento e contratação em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuíam notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ilegalidade inexistente. Fato atípico.
  4. Não restou, igualmente, demonstrada a vontade livre e conscientemente dirigida, por parte dos réus, a superar a necessidade de realização da licitação. Pressupõe o tipo, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação.
  5. Ausentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não há justa causa para a deflagração da ação penal em relação ao crime previsto no art. 89 da Lei n° 8.666/93.
  6. Acusação, ademais, improcedente (Lei n° 8.038/90, art. 6°, caput).

Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do STF, em sessão plenária, sob a presidência do Sr. Min. Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos e nos termos do voto do Relator, em julgar improcedente a acusação, contra o voto do Sr. Min. Marco Aurélio.

Brasília, 29 de março de 2012.

Ministro Dias Toffoli. (grifos nossos)

No referido julgamento, claramente, o ministro esclarece o diferencial entre notório e notável, mas acrescenta o elemento confiança, ao dizer:

  1. O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso, concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: […].

Na defesa da advocacia, tenho me posicionado sempre a favor da proeminência do exercício profissional em uma democracia e, principalmente, no que diz respeito ao direito de defesa.

O advogado, mais do que o jurista, tem o indispensável papel de preservar um direito inexistente nas ditaduras, que é o de defesa, e que o constituinte considerou-o de tal relevância que impôs não qualquer defesa, mas a ampla defesa como princípio fundamental, tal qual dispõe, de rigor, o art. 5° , inc. LV, da lei suprema, com a seguinte dicção:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; […] (grifos nossos).

A própria distinção que sempre fiz entre jurista e advogado não desmerece o papel de advogado perante aquele, antes o realça, pois, se o jurista sinaliza os caminhos do direito, quem os trilha é o advogado.

Escrevi sobre a diferença o seguinte:

O jurista é, por excelência, o doutrinador de Direito.

È o produtor da Ciência que permite orientar a conformação jurídica dos povos.

Os romanos ofertavam ao jurisconsulto papel de relevância na produção normativa, visto que o direito pretoriano não desconhecia o seu intenso labor.

A profissão do advogado, de rigor, ganhou sua relevância atual entre os romanos, sendo, todavia, tão antiga quanto a sociedade organizada. Há julgamentos célebres, em que o defensor dos acusados exercia o papel de advogado. Os diversos Códigos anteriores a Hamurabi não desconheciam a importância dos julgamentos imparciais, pressupondo o exercício da advocacia.

Não é de esquecer, no julgamento de Frinéia, a técnica de seu advogado ao despi-la perante os julgadores para perguntar se a beleza poderia aliar-se ao crime.

Entre os romanos, todavia, é que a profissão do advogado ganhou sua relevância atual, com remuneração diferenciada. A “honorária” constituía verdadeira honraria, reputando-se homenageados os defensores com tal pagamento. E, até hoje, não recebem os advogados salários ou remuneração, mas honorários por seu trabalho.

O advogado, todavia, não é jurista. É um defensor que faz da lei o instrumento de defesa de seu constituinte. Seu compromisso é menos com a doutrina e mais com a obtenção de resultado que melhor satisfaça o interesse de seu cliente. Nem por isto lhe é dado transigir, adulterando o sentido da lei ou a prova, na busca de resultados que o ordenamento jurídico não permita. Sua habilidade está em potencializar a lei e o processo a favor de seu cliente.

O advogado não é, entretanto, o elaborador da Ciência. É um aplicador do Direito, mas não é o seu criador. É o conhecedor da lei, mas não seu inspirador. É o profissional que dá estabilidade à aplicação da ordem legal, mas não seu administrador.

Já o jurista é um produtor de Ciência, pois deve orientar a melhor interpretação do Direito, conformar os alicerces de sua produção e colaborar com os legisladores positivos e negativos, que são as casas Legislativas e os magistrados.

O jurista é, portanto, um autêntico inspirador do Direito.

Não pode ficar adstrito a um conhecimento limitado à própria técnica produtora da norma, mas deve ter uma visão mais abrangente. É o instrumentalizador de todas as ciências sociais, no plano jurídico. Deve ostentar cultura humanística que lhe permita descortinar, no Direito positivo, o Direito Universal e Intertemporal. Deve ser, pois, historiador, filósofo, economista, sociólogo, mestre em ciências antecipatórias, psicólogo, sobre não desconhecer rudimentos das Ciências Exatas.

O Direito, em verdade, é a Ciência Universal, por excelência. Abrange todas elas. Dá-lhes a dimensão desejada por um povo, em um determinado território, na conformação do ordenamento positivo.

Está, pois, o jurista na essência e na base do processo produtivo e aplicacional do Direito, em profunda colaboração com aqueles que têm a missão – sem serem, muitas vezes, especialistas na matéria – de produzir o Direito.

A grande maioria dos juristas tem sua origem na classe dos advogados.

Por esta razão é que no meu Decálogo do Advogado, nos pontos 3, 4, 5, 7, 8 e 9, escrevi:

  1. Nenhum país é livre sem advogados livres. Considera tua liberdade de opinião e a independência de julgamento os maiores valores do exercício profissional, para que não te submetas à força dos poderosos e do poder ou desprezes os fracos e insuficientes. O advogado deve ter o espírito do legendário El Cid, capaz de humilhar reis e dar de beber a leprosos.
  2. Sem o Poder Judiciário não há Justiça. Respeita teus julgadores como desejas que teus julgadores te respeitem. Só assim, em ambiente nobre a altaneiro, as disputas judiciais revelam, em seu instante conflitual, a grandeza do Direito.
  3. Considera sempre teu colega adversário imbuído dos mesmos ideais de que te reveste. E trata-o com a dignidade que a profissão que exerces merece ser tratada.
  4. Quando os governos violentam o Direito, não tenhas receio de denunciá-los, mesmo que perseguições decorram de tua postura e os pusilânimes te critiquem pela acusação. A história da humanidade lembra-se apenas dos corajosos que não tiveram medo de enfrentar os mais fortes, se justa a causa, esquecendo ou estigmatizando os covardes e os carreiristas.
  5. Não percas a esperança quando o arbítrio prevalece. Sua vitória é temporária. Enquanto fores advogado e lutares para recompor o Direito e a Justiça, cumprirás teu papel e a posteridade será grata à legião de pequenos e grandes heróis, que não cederam às tentações do desânimo.
  6. O ideal da Justiça é a própria razão de ser do Direito. Não há direito formal sem Justiça, mas apenas corrupção do Direito. Há direitos fundamentais inatos ao ser humano que não podem ser desrespeitados sem que sofra toda a sociedade. Que o ideal de Justiça seja a bússola permanente de tua ação, advogado. Por isto estuda sempre, todos os dias, a fim de que possas distinguir o que é justo do que apenas aparenta ser justo.

Pessoalmente, entendo, pois, que nenhum escritório de advocacia deva participar de licitações para ser contratado, por fora do Código de Ética da profissão, pois é forma de angariar clientes, quando, de rigor, os advogados devem sempre ser por eles procurados e não procurá-los, em captação proibida pelo Código de Ética.

Autor: Ives Gandra da Silva Martins, artigo publicado na Revista Bonijuris. 

 

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