A propaganda de massa está em transformação e os influenciadores digitais representam papel determinante em meio a mídias sociais, novas tecnologias, consumo e aquisição de produtos e serviços.
O distanciamento social e o aumento do tempo médio de conectividade de usuários das plataformas sociais são um campo fértil para as ofertas online de produtos e serviços dos mais diversos seguimentos, por meio de links patrocinados e parcerias comerciais com esses influenciadores.
No Brasil influenciador digital não é uma ocupação reconhecida pela Secretaria do Trabalho. O propósito dessa nova profissão é exercer ascendência sobre pessoas (denominadas “seguidores”) com seu estilo de vida, credibilidade e reputação a partir de interesses, propósitos e valores.
O influencer alcança o seu público de forma quase natural e envolvente, avalizando produtos e serviços que se identificam com o estilo compartilhado com os seguidores, fomentando a ideia útil e vantajosa da aquisição de itens. Esse nicho de publicidade é tão assertivo que tem chamado a atenção do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e provocado disputas no Poder Judiciário.
A questão sob análise decorre da chancela de produto ou serviço recomendado pelo influenciador digital quando não há o atendimento da qualidade, expectativa utilidade, prazo ou demais elementos propriamente atrelados ao consumo e lesões patrimoniais, tutelados por institutos diversos do Código de Defesa do Consumidor. A questão a ser respondida, portanto, é: o influenciador que faz a divulgação, valendo-se do poder exercido pelo seu estilo de vida sobre os seus seguidores, possui responsabilidade na relação havida entre o comprador e o fornecedor?
Guardadas as devidas proporções, do célebre julgamento sobre a “publicidade de palco” televisiva (Recurso Especial 1157228/RS – Informativo 0461) extrai-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a inexistência de corresponsabilidade do apresentador e da empresa de televisão pelo anúncio do serviço prestado em desacordo com a legislação consumerista, haja vista a ausência de enquadramento como fornecedor e inexistência de relação de consumo com o telespectador, preceituada nos arts. 3°, 12, 14, 18, 20, 36, parágrafo único, e 38 da Lei 8.078/90. O apresentador, como consta da decisão, não é “avalista formal, por si ou pela empresa de comunicação do êxito do produto ou serviço para o telespectador que vier no futuro a adquiri-los”.
No dia 21 de agosto de 2020, o Juizado Especial Cível de Barra Mansa, Estado do Rio de Janeiro, condenou uma influenciadora digital a restituir a uma consumidora o valor de R$ 2.639,90, a qual demandou ação após comprar um celular na lona indicada pela influencer, mas não o receber. Segundo o projeto de sentença homologado pelo juízo, em que pese não haver relação de consumo entre a influenciadora digital e sua seguidora, há a responsabilidade objetiva preconizada pelo art. 927 do Código Civil pela falha na compra do aparelho.
Ainda, a atividade habitual da influenciadora implica a exposição de produtos de terceiros à venda, sob a sua chancela e “indiscutível influência”, gerando-lhe lucros, situação que, no caso, foi determinante na opção de compra pela seguidora, resultando na responsabilidade da primeira pelos danos decorrentes. A sentença é passível de recurso.
Um caso emblemático envolvendo influenciadores digitais é o “adiado” Fyre Festival, que aconteceria em 2017 numa ilha no Caribe. Segundo um documentário produzido por uma provedora global de filmes e séries, entre as estratégias dos organizadores, representados pelo empresário Billy McFarland e o rapper Já Rule, houve o uso conjugado de redes sociais, influência digital e supermodelos para promover a exclusividade das atrações, seletividade dos convidados, luxo e experiências inigualáveis de entretenimento que seriam oferecidas.
Em razão das propagandas feitas para o frustrado festival, além dos organizadores e parceiros, os influenciadores digitais também sofreram ações na justiça norte-americana. Para os advogados representantes dos adquirentes dos ingressos, os influenciadores foram determinantes e tiveram responsabilidade nos desdobramentos do festival e, portanto, também são responsáveis.
A defesa de alguns deles afirmou que eles foram pagos para uma divulgação, o que ocorre com frequência no meio. A modelo e influencer Kendall Jenner, que teria recebido US$ 250 mil para divulgar o festival em seu Instagram, usando a hashtag “#fyrefestival”, deletou o post publicitário.
As parcas decisões judiciais sobre o assunto e o dinamismo das relações advindas da publicidade realizada pelos influenciadores digitais no Brasil possibilitam o surgimento de teses, estratégias mitigadoras de riscos e argumentos sobre a existência ou não dos pressupostos da responsabilidade civil objetiva, desvinculada do instituto consumerista.
Autora: Daiana Mourão de Andrade
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